Está calor. As nuvens pintam o azul vivo do céu com breves, mas intensas marcas brancas. É o pico do Verão. Os dias estendem-se sem término; vão até à última marca de luz que se desvanece no tardio horizonte, para regressarem, sem demora, poucas horas depois. O calor amolece-nos, torna-nos brandos e suaves; tendemos, por isso, a executar movimentos mais simples – os movimentos mais belos. Sorrimos e inclinamos os corpos, uns em direcção aos outros, tão mais simples que falar. Mas como gostamos de falar, envolvemos palavras em riso; onde o valor e intento da mensagem vêm modelados na frequência e no gosto do riso, e não no da palavra.
Dispersas pelo ar, ouvem-se as vozes das gaivotas; intensamente estivas. Mesmo ao longe, quando os nossos ouvidos as não podem mais ouvir, ouvimo-las. Ouvimo-las e deixamo-nos levar até ao mar; até elas. Como brilha o mar! E o sol; este que já não é o do meio dia, mas um mais belo do que o dessa hora, por igualmente ser forte, e consigo trazer o declive que faz do mar de água um mar de cristais luzidios. Mas ser-me-á permitido comparar sóis, ou porventura vaguearei eu já por entre as linhas da blasfémia? São tantas as gaivotas; tantas que jamais me poderei sentir só; tantas que jamais poderei crer-me outro, que não um grato hóspede destas aves do mar.
Deixo os meus pés pousarem na suave areia dos mares. É quente, um quente acolhedor; num contrassenso sazonal, recorda o aconchego do leito nas noites longas do Inverno. Grãos ínfimos de personalidade extensa que retardam os meus passos e que me fazem desejar um mar por enquanto intangível. Tanto caminho, para o pouco que me separa desta água que me arregala os sentidos. Como exclamam as ondas quando rebentam na margem; como é intenso o seu galopar que me deixa os músculos hirtos de desejo. Os pés caminham.
Banho-me finalmente nas águas, enquanto sinto o fluxo de um orgasmo que não quero ainda ver chegar. Doi entrar nas águas frias; uma dor que se dilui no prazer suado de enfrentar a força das marés. Um suor não transpirado, e uma maré que projecta sobre mim a força de quem me quer vivo. Mas como gente que ama, chega o momento de culminar. Um culminar completo e total do corpo e da alma. Regresso, feliz, à areia, onde me deito com o sol a secar-me a pele. Desfruto agora de um prazer consumado, embalado pelo longínquo som daquele gigante de Poseidon, consciente do amor e de ser amado.
É Verão. A noite cai e as ruas são percorridas por um amarelo alaranjado que se difunde com intensidade por entre as fachadas, provocando rasgos contrastantes de luz e trevas. As gentes ocupam o espaço urbano com vivacidade; voluntariamente obliteradas do passado dia aluminado pelo sol. Os rostos já não são claros de distinguir; é o seu radiar de ânimo que dá corpo às expressões, à vontade de ser espontâneo e natural. Somos finalmente como os deuses nos querem e como somos fiéis à nossa mais básica natureza. Vagueamos pela noite até que ela finde; quando, então, se dá a concretização do êxtase em prazer consumado do viver.
A noite dá lugar ao dia; e, no seio desta transição, existe um breve instante em que a natureza deixa os seus dormir; um brevíssimo instante – ainda que assíncrono entre as gentes e não gentes, mas a todos pertencente – que logo dá lugar a um novo dia.
Istambul, 13 9 2019
